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terça-feira, 22 de dezembro de 2015
O BOI DE BOCA AMARRADA. UMA RELAÇÃO DE TRABALHO
Aos hebreus do Velho Testamento bíblico era recomendado observar um ensino que dizia: “Não atarás a boca do boi enquanto ele pisa o trigo”. Está claro que o Criador pede respeito aos animais que nos servem, mas como a Sabedoria Suprema é ampla, procurei buscar inspiração para também entender a aplicabilidade desta máxima para os dias de hoje envolvendo as relações humanas. Para minha surpresa encontrei, via pesquisa na internet, praticamente explicações de natureza teológica deste texto, como se fosse um mandamento divino em favor de líderes religiosos. Nesse contexto procuram justificar que tem de ser obrigatoriamente sustentados pelos fiéis, numa espécie de ociosidade santa. Ainda que esse fosse entendimento de Paulo de Tarso para aquela época em Carta à comunidade cristã em Corinto (1 Co. 9), quando os pregadores da Palavra tinham muitas dificuldades, principalmente à de sobrevivência; agora os tempos são outros, e Paulo não estava, creio eu, profissionalizando a função de pregador.
Então porque não entender também que aquele boi é o símbolo dos trabalhadores, isso mesmo e que tal máxima divina pode ser aplicada às relações humanas no trabalho, para os milhares de trabalhadores, homens e mulheres que fazem a moenda do mundo girar sob o jugo de leis injustas, sejam elas legais do ponto de vista das instituições humanas sustentadas por um legalismo capitalista, coercitivo, cujos objetivos são os lucros e os saldos patrimoniais positivos.
Voltando ao episódio do boi, imagine a cena. Está lá o boi pisando o trigo, para separar o grão da palha era um trabalho que o boi faz com certa facilidade, mas que lhe aguçava o paladar e exalava um cheiro característico que impregnava as narinas do animal, despertando seu faro e aguçando sua vontade de provar daquele que lhe parecia ser um alimento apetitoso. O instinto animal o faz desejar comer a qualquer custo, babando de vontade e ele fica agitado. Quando tenta se abaixar para abocanhar um pouco, o boi é açoitado pelo tratador para que volte ao trabalho que lhe estava sendo imposto. Para evitar que tentasse novamente o seu tratador ou quem sabe o “destratador” faz uso de uma espécie de "boqueira" ou "focinheira" fechando a boca do animal forçadamente. Esta mordaça impedia o animal, mesmo sentindo uma irresistível vontade, que ele conseguisse o intento de abocanhar pelo menos um pouco da palha do trigo. Amordaçar animais é uma prática é comum para todos os animais empregados no trabalho como o cavalo, o cão, elefantes e vários outros, usados como tração em todo o mundo. E assim, aquele "operário" tão necessário, tão importante no processo todo é obrigado por métodos" coercitivos, violentos, a trabalhar infeliz, e mesmo sem entender, mas, por instinto de sobrevivência, submetia-se ao sistema de trabalho que lhe era imposto. E mais aquele boi seria também empregado na moenda das “casas de farinha” onde se trituravam até centenas de quilos de grãos de trigo, era uma fábrica de farinha de trigo da época. Já por volta de 2000 a.C. o boi também era usado para puxar, ou melhor, girar a moenda pesada que moía os grãos. Vale lembrar que eram moendas rusticamente feitas de pedra, principalmente, cheia de imperfeições, que dificultam em muito o atrito sobre uma superfície, também de pedra, montada numa estrutura de madeira onde um eixo pesado e resistente girava a moenda e este eixo era acoplado a um cambão que era puxado pelo boi. Compreenda ai o trabalho estafante do animal, que hoje é substituído por motores possantes. Mais uma vez, os grãos de trigo ao serem triturados exalavam um cheiro que agradava ao pobre operário bovino, que para retardar o trabalho tentando comer um pouco do grão, lhe amordaçavam a boca. Restava-lhe apenas aguardar resignadamente os únicos cuidados que seu dono lhe dava ao final de uma jornada de trabalho pesado: um pouco de ração, água e um merecido, mas curto, descanso de algumas horas até o reinício de um novo turno de trabalho. Naqueles tempos era proibido amordaçar um animal, enquanto trabalhava, porque se entendia que era uma violência contra o animal, porque aplicavam o mesmo entendimento de outro ensino de que “aquele que ajuda na debulha, também tinha direito à colheita” e, o boi, portanto tinha direito de comer.
O Deus que proporcionou tal entendimento aos hebreus através de seus profetas, o de respeitar um animal que lhe prestava serviços, que embora não fosse um ser racional, ou seja, uma alma vivente, mas que também possuía o princípio vital dado pelo Criador a todos os seres vivos. Assim, como se respeita um animal, é ensinado aos seres humanos a respeitarem-se mutuamente, em todas as relações, inclusive destaco aqui as relações de trabalho. Digamos que estão embutidos os milhões de "bois-humanos" que também fazem girar as rodas do progresso e do desenvolvimento material das nações, através de suas instituições de trabalho. Mas como a boca do “boi-humano trabalhador” é atada nos dias atuais? Quando lhe negam um bocado de trigo. O bocado do ambiente saudável, seguro e estimulante para trabalhar. O bocado da flexibilidade do ir e vir. O bocado do reconhecimento e, sobretudo do agradecimento pelo serviço prestado, pelas ações desenvolvidas em prol da atividade no local de trabalho. O bocado de uma folga espontânea, de uma bonificação extra. O bocado mais precioso, o da liberdade. E assim outros bocados de particularidades que cada setor oferece, até porque os “bois” são diferentes bem como os trabalhos desenvolvidos. O boi de boca atada é calado, resignado e pode até empacar. O trabalhador humano é triste, pouco produtivo, desanimado, revoltado, enfim torna-se uma péssima força de trabalho. E nesse caso, tanto o boi seja animal ou humano é simplesmente descartado, trocado por outro.
Aos patrões foi determinado pelo Criador, segundos palavras do apóstolo Tiago (Cap 5:4) a não reter (limitar, manipular, apropriar) do salário do trabalhador. Não basta tratar o trabalhador como se tratam os bois que ao final da jornada recebem capim e água e algumas horas de descanso. Assim os trabalhadores ao final da jornada de tantas horas recebem um salário, nem sempre justo, que representa o capim e a água, e os períodos de descanso, sempre pequenos ao tanto que se trabalha ou que está à disposição dos empregadores.
Milhões de trabalhadores em todo o mundo são assim tratados como animais nos ambiente de trabalho. Recebem salários muitas vezes injustos e ainda que recebam em algumas situações, os tais benefícios sociais, estes foram conquistados a duras penas e, ainda assim, são manipulados e limitados pelos empregadores. Muitas vezes esses patrões se inspiram nas palavras do ex-fariseu Saulo de Tarso e que muito agradam aos fariseus modernos: "Quem NÃO TRABALHA, que também NÃO COMA." Quem não trabalha enquadrado nas normas que criam para suas empresas legitimadas por um sistema legal da letra fria da lei, a estes só o mínimo necessário, o suficiente para manter "os bois girando a moenda". O capim e a água simbolizados nos salários injustos. Atam a boca de seus bois, que passam a trabalhar sofridos, desejosos de um pouco do trigo que arduamente amassam mo dia-dia.
São milhares os bons e dedicados trabalhadores, como também dentre estes estão os milhares honestamente, mas de boca atada pela letra fria da lei que mata. O administrador cristão deve reger-se pelo espírito da lei, que traz alegria e vida.
Quando Jesus nos ensina a caminhar uma milha a mais, está justamente nos estimulando a irmos além dos limites frios de leis injustas. Eis o desafio.
Bois de bocas atadas são os trabalhadores desestimulados, sem criatividade, fazendo puramente a rotina de puxar a moenda dia após dia, no mesmo compasso, com a mesma obrigação pelo fato de serem obrigados a isso. Tão somente por sobrevivência.
Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça porque serão fartos. Que assim seja.